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O vinho na época de Jesus

Além de ser a espécie de planta mais mencionada na Bíblia, a vinha possui um ciclo anual no qual entra em estado de dormência e…

Por Rodrigo Ferraz

Além de ser a espécie de planta mais mencionada na Bíblia, a vinha possui um ciclo anual no qual entra em estado de dormência e depois “volta à vida” com a brotação e floração, podendo assim simbolizar um ciclo de ressurreição, tema bastante comum na maioria das religiões, incluindo a cristã. Além disso, um estudo recente descobriu que a palavra “yayin”, a qual significa vinho em hebraico antigo, é usada mais de 100 vezes no Antigo Testamento. Também podemos mencionar que, segundo os escritos bíblicos, o primeiro milagre de Jesus foi justamente transformar água em vinho em um casamento na aldeia de Caná e, no final de sua vida, Jesus ainda teria usado o vinho como símbolo de seu próprio sangue na Última Ceia. Levando em consideração toda essa relevância, a pergunta que fica é: como era o vinho na época de Jesus?

Através de pesquisas científicas e descobertas arqueológicas, já sabemos que o vinho ancestral era produzido com castas brancas e tintas, porém é muito difícil definir quais eram exatamente as variedades cultivadas no Oriente Médio na Antiguidade. Afinal, passaram-se milênios de mutações, polinizações cruzadas, impacto de guerras e mudanças culturais desde então. Segundo o PhD e arqueólogo Patrick McGovern, do Museu da Universidade da Pensilvânia, nos dias de Jesus o vinho era massivamente produzido nos territórios da Galileia e da atual Jordânia. O processo de vinificação  começava em estruturas de pedra (lagares), nas quais as uvas eram despejadas e pisadas. À medida que o líquido escorria, logo era armazenado em ânforas de barro, onde se concluía o processo de fermentação natural, através de um controle rudimentar de temperatura.

Dentro da cultura dos antigos – principalmente entre os mais ricos – o vinho podia até englobar funções de sociabilidade, porém, na maioria dos casos era encarado como um produto de sobrevivência e não de luxo. Os antigos não estavam interessados ​​em discutir as nuances da safra e do terroir, em vez disso, eles queriam evitar o consumo de água contaminada, em vista das condições precárias daquele período. Para o plebeu, o vinho precisava durar até a próxima safra, então era misturado com aditivos como resinas de árvores, pimentas, especiarias e alcaparras, na tentativa de encobrir os sinais de deterioração da bebida e torná-la mais palatável. Antioxidantes encontrados nesses aditivos e no álcool matavam microrganismos nocivos, então o vinho era muito mais seguro do que a água não filtrada. Outro fato interessante é que o efeito inebriante da bebida era encarado como um presente divino, já que os antigos não entendiam completamente o processo da fermentação alcoólica, onde as leveduras convertem açúcares em álcool. Ficar embriagado era uma forma de comungar com Deus.

Em suma, podemos dizer que o vinho ancestral era espeço, carregado de traços oxidativos, com aromas e sabores grosseiros, além de taninos duros. Por não ser filtrado e, consequentemente, ter um longo período de contato o próprio mosto, o vinho provavelmente era bastante escuro, turvo, adstringente e adocicado (açúcar residual natural). O mais curioso é que, anos mais tarde, na Idade Média, foi a Igreja Católica uma das principais responsáveis por aumentar a qualidade do vinho no mundo, funcionando como uma grande rede internacional de conhecimento. Já em épocas mais recentes, cientistas como Louis Pasteur ajudaram a ampliar consideravelmente o controle e a compreensão sobre a vinificação, fazendo com que essa bebida se aproximasse mais do conhecimento científico e menos da casualidade divina. Hoje o vinho que preenche nossas taças pode ser encarado como um fascinante arranjo de elementos, como história, ciência, arte, natureza, saúde, gastronomia, sociabilização e, por que não, um momento para entrarmos em contato com a própria espiritualidade.

Rodrigo Ferraz

Sommelier formado pelo SENAC e publicitário pós-graduado pela ESPM. Influenciador digital, criador do canal Vinhos de Bicicleta, maior canal da América Latina sobre vinhos no Youtube com aproximadamente 150 mil inscritos. Há 10 anos, trabalha na área educacional e comercial de vinhos, já tendo formado milhares de alunos ao redor do mundo em cursos presenciais e online.

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