Herdeiro da Fazenda Serimbura é acusado de operar esquema suspeito de pirâmide pecuária
Grupo de investidores aponta prejuízos que somam centenas de milhares de reais. O caso é investigado pela Polícia Civil no 8º Distrito Policial da cidade.
Um grupo de investidores de São José dos Campos denunciou o empresário André Portugal Gonzalez por suspeita de comandar um esquema irregular de investimento pecuário, que teria causado prejuízos financeiros expressivos. A prática, segundo os relatos, funcionava como uma pirâmide: novos contratos ajudariam a pagar antigos, enquanto a quantidade de bois apresentada não correspondia ao volume negociado. O caso está sob investigação no 8º Distrito Policial da Anchieta.
A operação foi conduzida por meio da empresa APG Agropecuária Ltda, administrada por André. Investidores apontam que o modelo de negócio prometia lucros com a engorda de gado, mas, ao longo do tempo, deixou de apresentar retorno e levantou suspeitas de fraude e descumprimento contratual.
Entre os denunciantes estão o administrador Marcus Vinicius Santos, o empresário Luís Antonio Valdivia e um investidor aeronauta que prefere não se identificar. Eles relatam ter firmado acordos com André e, em seguida, enfrentado tentativas frustradas de auditoria, promessas de pagamento não cumpridas e dificuldades para reaver os valores investidos.
Como funcionava o suposto investimento
Segundo os relatos, os contratos envolviam a aquisição de bois ainda em fase de crescimento, com peso inicial de cerca de 10 arrobas. O investidor arcava com os custos de compra e manutenção dos animais por um período de 12 meses. Ao final desse prazo, havia a promessa de recompra do boi por 15 arrobas, com base no índice CEPEA — referência amplamente reconhecida no setor pecuário.
A expectativa de lucro vinha da chamada “engorda” do boi, processo em que o animal ganha peso ao longo do ciclo de confinamento, sendo alimentado e cuidado até atingir o valor estimado para revenda. Embora o modelo fosse apresentado como um investimento seguro, os contratos não garantiam retorno fixo, e o resultado dependia da valorização do animal.
“Entregamos a estrutura, ele prometeu os bois”
O administrador Marcus Vinicius conta que sua família foi uma das primeiras a investir, ainda em 2018, atraída pelo prestígio da família Gonzalez, proprietária de terras na região nobre da cidade, como a Fazenda Serimbura, no Urbanova. Em 2021, com o aumento dos valores investidos, Marcus se tornou sócio de André na empresa SIMBA Agropecuária, criada para assumir parte dos contratos.
“Fizemos melhorias na fazenda, demos estrutura, e ele garantiu que os contratos seriam todos migrados para a nova empresa. Mas depois começou a ter atrasos nos pagamentos, dificuldade de realizar os inventários e seguimos com o alerta de que havia contratos paralelos pela APG que não foram transferidos”, afirma Marcus.
Segundo ele, o prejuízo acumulado da família já ultrapassa R$ 4 milhões.
Auditorias bloqueadas e promessas não cumpridas
Segundo Marcus, as primeiras desconfianças surgiram ao tentar realizar inventários dos animais no campo. Mesmo com tentativas documentadas de auditoria externa, André teria dificultado o processo, alegando questões operacionais.
Em uma reunião gravada em agosto de 2023, entregue ao Portal Aqui Vale, André admite que a quantidade de animais não seria suficiente para cobrir os contratos ativos. “Ele disse que continuava fechando novos contratos para pagar os antigos. Foi quando entendi que estávamos em um modelo de pirâmide”, afirma Marcus.
André teria prometido quitar a dívida de Marcus com outros clientes e parcelar o valor. Mas nenhum dos pagamentos foi efetivado.
Outros casos semelhantes
O investidor aeronauta, que preferiu manter o nome em sigilo, relata ter investido cerca de R$ 590 mil, além de ter entregue um veículo de alto valor — um Mustang 2018 — como parte do acordo. O contrato, segundo ele, também não foi honrado.
O empresário Luís Antônio Valdivia, por sua vez, afirma que firmou contrato inicial para 15 animais e, em julho de 2024, assinou um segundo contrato para mais 50 animais. Como parte do pagamento, entregou a André uma camionete Hilux. “Até agora ele não cumpriu os contratos que já venceram. Ele nem se comunicou comigo para dar explicações”, relatou.
Ambos buscaram resolver o impasse por vias extrajudiciais, mas os acordos firmados não foram cumpridos. Eles também relatam conhecer outras vítimas que não quiseram se manifestar publicamente.
O nome da família
Os investidores dizem ter sido atraídos também pelo nome da família Gonzalez, tradicional em São José dos Campos. O pai de André, empresário Jesus Manuel Gonzalez Gonzalez, aparece como fiador em contratos imobiliários assinados por ele. A família é proprietária de áreas valorizadas na cidade e associadas a diversos empreendimentos no Urbanova.
Questionado pelos investidores, o pai teria tomado ciência das denúncias, mas, segundo os relatos, seguiu permitindo que o filho utilizasse as terras para conduzir os negócios. Segundo os denunciantes, André ainda reside na fazenda.
Outras suspeitas e histórico criminal
Além das acusações feitas pelos investidores, outros casos envolvendo André vieram à tona. Um ex-sócio, Bruno Santos Torraque, afirma que teve o nome envolvido em movimentações bancárias irregulares feitas por André, incluindo cheques sem fundo em nome de uma empresa de bar em que eram sócios. O caso também está na Justiça.
Constam ainda registros de boletins de ocorrência e processos cíveis e criminais contra André, incluindo uma denúncia criminal ativa que trata de apropriação indébita e estelionato, conforme apuração da reportagem. Um processo de compra de imóvel no Urbanova também corre na Justiça, com seus pais atuando como fiadores da negociação.
Linha do tempo do caso
2015 – Início do modelo de parceria pecuária
2018 – Investidores começam a aportar grandes volumes de capital
2021 – Criação da SIMBA Agropecuária
2023 – Suspeitas aumentam; auditorias são bloqueadas
Ago/2023 – Reunião com confissão gravada por investidores
Dez/2023 – Novos contratos seguem sem retorno
2024 – Processo judicial e denúncias formais são iniciadas
2025 – Caso chega ao 8º DP da Anchieta e ganha novos desdobramentos
O que dizem os citados
A reportagem entrou em contato com André Portugal Gonzalez e seu pai, Jesus Manuel Gonzalez Gonzalez, para que apresentem suas versões sobre os fatos. O espaço segue aberto para manifestação dos citados.
O empresário André Gonzalez afirmou, por meio de nota, que sempre atuou com boa-fé e transparência no modelo de parceria pecuária. Segundo ele, a atividade de criação e engorda de bois está sujeita a variáveis imprevisíveis do mercado e da natureza, e os contratos deixavam claro que havia risco atrelado ao investimento. André nega qualquer prática de pirâmide financeira e afirma possuir todos os comprovantes de compra e venda dos animais, os quais teriam estado sempre disponíveis para conferência.
O empresário informou ainda que já apresentou um plano de recuperação, aprovado pela maioria dos investidores, com o objetivo de quitar os compromissos assumidos. Ele considera os boletins de ocorrência e pedidos de inquérito como medidas precipitadas e motivadas por pressão individual para recebimentos fora da ordem acordada. Por fim, reforçou seu compromisso com a resolução do caso e agradeceu pela oportunidade de esclarecer os fatos.
Investigação em curso
O caso é investigado pela Polícia Civil no 8º Distrito Policial da Anchieta, em São José dos Campos. Conforme documento obtido pela reportagem, o inquérito policial foi instaurado em 16 de janeiro de 2025, tendo como investigados o empresário André Portugal Gonzalez e a empresa APG Agropecuária Ltda.. O processo tramita na 3ª Vara Criminal da cidade, sob a acusação de estelionato.
A reportagem segue acompanhando os desdobramentos.
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