A tragédia das chuvas
Três coisas ficam da tragédia que se abateu sobre o Litoral Norte neste Carnaval: as lições de solidariedade, que podem ser resumidas na imagem de…
Três coisas ficam da tragédia que se abateu sobre o Litoral Norte neste Carnaval: as lições de solidariedade, que podem ser resumidas na imagem de duas crianças sendo resgatadas em meio à lama, em São Sebastião, passando de mão em mão, em uma corrente humana; a coragem e a dedicação das equipes de resgate; e a triste certeza de que flagelos como esse, infelizmente, vão se repetir.
Choveu muito acima da média, é verdade… O maior volume de chuva registrado na história do país resultou em uma tragédia gigantesca – 50 pessoas mortas, 57 desaparecidas, 1.730 desalojadas e quase 800 desabrigadas, a maior parte em São Sebastião. Os números, imagens e relatos são impressionantes. O mais impressionante é constatar que eles repetem o que já vimos em chuvas passadas, em Angra dos Reis, Minas Gerais, no Sul da Bahia, na Região Serra do Rio. Em Caraguatatuba, em 1967. Uma somatória de causas naturais (como uma chuva, igual a essa) com o descaso contínuo com que autoridades tratam, ao longo de décadas, a ocupação desenfreada de áreas de risco. Autoridades que investem pouco para evitar tragédias como essa.
A verba federal destinada à prevenção de desastres, como o de São Sebastião, é a menor em 14 anos. Para gastar dinheiro a rodo em sua tentativa de reeleição, Jair Bolsonaro cortou em 94% a fatia do Orçamento destinado à contenção de encostas. Sobraram menos de R$ 3 milhões, pouco mais do que a renda do jogo entre Corinthians e Mirassol na Arena Itaquera, no domingo de Carnaval. A PEC da Transição aumentou essa verba, mas o valor ainda é muito baixo.
Dados oficiais mostram que 10 milhões de pessoas moram em áreas sujeitas a deslizamentos e alagamentos no país. É o enredo de uma catástrofe anunciada. Aliás, tragédia escrita neste Carnaval a partir de detalhes. O Cemaden, Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, instalado aqui, em São José dos Campos, havia dado, já na quinta-feira, um alerta de chuvas intensas, mas o volume superou o esquema de prevenção e o aviso, sem sirenes de alerta, chegou tarde. A serra veio abaixo, estradas rodaram, a lama tomou conta de ruas, casas, atingiu praias. Em meio ao caos, voluntários relataram que as Unidades de Saúde da Costa Sul não tinham material de primeiros-socorros. Essa soma de problemas, pequenos e grandes, gerou uma calamidade. Agora, o Ministério Público informou que vai apurar eventual responsabilidade dos gestores locais na “potencialização dos efeitos das chuvas” e na falta de iniciativas para remoção de moradores de áreas de risco. É um passo. Outros precisam ser dados. Muitos outros…Minha solidariedade às vítimas dessa tragédia. A nós cabe refletir sobre o que ocorreu, debater causas e efeitos, identificar erros, para tentar evitar novas catástrofes. Evitar que outras pessoas, outras famílias venham sofrer, no futuro, com o descaso crônico do poder público e a especulação desenfreada.
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