Trabalhadores são resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves (RS)
Trabalhadores que moravam na Bahia receberam uma proposta de trabalho, deveriam desempenhar suas atividades laborais para várias vinícolas na Serra Gaúcha, seriam custeados pelo empregador…
Trabalhadores que moravam na Bahia receberam uma proposta de trabalho, deveriam desempenhar suas atividades laborais para várias vinícolas na Serra Gaúcha, seriam custeados pelo empregador alimentação, hospedagem e transporte. No entanto, após aceitarem a respectiva proposta, o sonho do trabalho digno se tornou um pesadelo para todos os trabalhadores, tendo em vista que ao chegarem no Rio Grande do Sul tiveram que pagar pelo alojamento, já começando o trabalho em dívida.
Além disso, os trabalhadores foram submetidos a jornada de trabalho de 15 (quinze) horas, alimentação com comida estragada, alojamento insalubre, com instalações precárias e falta de higiene. Se não bastasse tudo isso, o dono do alojamento ligado ao empregador, fazia empréstimo aos trabalhadores com juros extorsivos e só podiam comprar produtos em um único estabelecimento, com produtos superfaturados e desconto salarial.
Esse cenário reprovável foi desvendado, pois um grupo de trabalhadores fugiu do alojamento que eram mantidos contra a sua vontade, acionaram a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a qual acionou a Polícia Federal (PF) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Desse modo, em uma ação conjunta da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), 207 trabalhadores, de 18 a 57 anos de idade, foram resgatados, a maioria oriunda de municípios da Bahia. Ademais, apreenderam na operação armas de choque elétrico e spray de pimenta.
Com objetivo de colher o depoimento dos trabalhadores e atuar na negociação de pagamento de direitos trabalhistas, estiveram em Bento Gonçalves representando o MPT a procuradora coordenadora da unidade em Caxias do Sul, Ana Lucia Stumpf González, e a vice-coordenadora regional da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas), procuradora Franciele D’Ambros. Também participaram da entrevista os auditores-fiscais do trabalho Alexandre Machado, Rafael Zan e Leandro Vagliati; o delegado da Polícia Federal Claudino Sebaldo Alves de Oliveira; os agentes Leandro Portes, chefe da 6ª Delegacia da PRF de Bento Gonçalves, e André Benedetti, chefe de policiamento da PRF; e o secretário municipal de Esportes e Desenvolvimento Social de Bento Gonçalves, Eduardo Viríssimo.
Após a colheita dos depoimentos e apurando os fatos, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o proprietário da empresa contratante, nos seguintes termos:
- R$500,00 para cada trabalhador em dinheiro como forma de adiantar parte do pagamento das verbas rescisórias;
- Restante da rescisão a ser quitado em 28/02/2023 por ordens de pagamento, pix, transferência bancárias ou consignação, sob pena de ajuizamento de ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido;
- Custear o transporte dos trabalhadores de volta à Bahia;
- Estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Os referidos valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas. O MPT divulgou que nesta semana será designada uma audiência com a empresa contratante, bem como com as vinícolas tomadoras para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e fixação de obrigações que previnam novas ocorrências. As vinícolas (tomadora dos serviços) são as famosas e conceituadas Aurora, Salton e Garibaldi.
As negociações em prol da preservação dos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores se iniciaram, apesar das tomadoras dos serviços alegarem que não tinham conhecimento da realidade fática vivenciada pelos trabalhadores, também possuem responsabilidade, afinal, deveriam fiscalizar as empresas terceirizadas que contrataram, pois foram beneficiadas pela prestação de serviços dos trabalhadores submetidos a situação análoga à escravidão.
É lamentável que, mesmo após mais de 134 anos da abolição da escravatura no Brasil, empresas atuem com a ambição imoderada, com objetivo de se enriquecerem a custo de lágrimas e sangue. Que sejam apurados todos os fatos e atribuída a responsabilidade cível, criminal e trabalhista para todos aqueles que afrontaram os direitos humanos dessas pessoas e, inclusive, que esse péssimo exemplo seja um sinal de alerta para todos os empregadores que terceirizam suas atividades, pois não basta contratar, precisa fiscalizar.
Deixe um comentário