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Corações x Algoritmos

Atrás da praticidade, as pessoas estão preferindo aplicativos ao invés de consultórios. Especialistas alertam sobre os riscos de buscar apoio emocional na IA

Por Portal Aqui Vale

Dados apontam a extensão do problema. Um relatório da Organização Mundial da Saúde, divulgado em julho deste ano, estimou que uma em cada seis pessoas no mundo se sente sozinha. Entre os adolescentes, o índice chega a um em cada cinco.  

Segundo dados da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, o isolamento social está associado a mais de 871 mil mortes anuais, o equivalente a cerca de 100 vidas perdidas a cada hora. 

Nos Estados Unidos, casos de pais acusando na Justiça aplicativos de inteligência artificial de prejudicarem a saúde mental e até incentivarem o suicídio de filhos adolescentes cresceram nos últimos meses.

Famílias alegando que plataformas como o ChatGPT, da OpenAI, e a Character.AI foram negligentes e incentivaram o sofrimento de jovens. 

Enfim, cresce o número de pessoas que precisam de apoio emocional. E cresce, também, o número de ferramentas que oferecem chatbots: canais de conversa projetados para fornecer interações semelhantes às humanas.

Menos consultório X Mais celular  

O que dizem os especialistas?

Especialistas da área de psicologia analisam a relação desse cenário com um fenômeno da atualidade: as ferramentas digitais, como os chatbots de inteligência artificial (IA), sendo utilizadas de apoio emocional. O que parece uma saída acessível pode, na prática, acabar silenciando e até tirando a vida das pessoas – ao invés de abrir espaço para a fala.

De acordo com a psicóloga Raphaella De Martini, que tem consultório em São José dos Campos, essa busca pela inteligência artificial, na verdade, é a procura pelo anonimato e a praticidade. 

“Há algum tempo venho notando o crescimento da busca pela inteligência artificial. Na verdade, a busca é pelo anonimato. Eu vou conversar com alguém e essa pessoa não me conhece. Vou falar tudo o que penso e ela vai me dar a melhor resposta possível. A busca pela praticidade, pensando que não vai ser identificado ou exposto, é um grande perigo. O celular virou uma extensão da própria mão, como uma forma de desabafar”. 

Segundo a Dra Vivian Salas, que é psicóloga e mentora em São José, esse aumento tem sido crescente e reflete a carência de alívio imediato especialmente entre os jovens – que têm mais familiaridade com as plataformas e a tecnologia. 

“No momento de dor, de preocupação e de querer organizar as ideias, a IA está ali como um suporte e um alívio emocional instantâneo. Mas são respostas automatizadas. Então, existe um risco. É arriscado porque pode gerar um vício com relação às pessoas, de quererem somente utilizar dessas doses, dessas pílulas instantâneas de alívio, mas não planejando um tratamento e uma cura para aquele ponto em questão. A IA tem uma limitação”.

Alerta: desabafo pode trazer riscos à saúde e até à segurança  

Durante entrevista ao Portal Aqui Vale, a Dra Vivian Salas cita quais são os principais riscos do uso da IA como apoio emocional e como essa atitude pode prejudicar as pessoas. 

“A IA enxerga o paciente numa visão holística, sistêmica. Ela não consegue observar os gestos e o tom de voz, por exemplo. Então, ela pode falhar com certeza num diagnóstico preciso também. Ela não oferece um plano de acompanhamento, não tem a empatia e o juízo de um psicólogo no sentido de discernir, de fazer um julgamento sobre aquele paciente. A pessoa pode ficar até viciada e ter um afastamento social, porque se ela vai se acostumando a usar só a IA como um apoio emocional, ela pode começar a se afastar até mesmo das amizades. E isso prejudica ainda mais a saúde mental”. 

A Dra Vivian ainda fala sobre deixar os dados pessoais disponíveis.Falar é preciso. Mas escolher bem quem ouve é fundamental.  

“Aliás, você não vai ter garantia nenhuma. Então, a informação é o que vai fazer com que as pessoas vejam o que precisa. Por que eu estou entrando num site GPT, não é, repito, uma brincadeira inofensiva. Você está fornecendo a sua subjetividade, todo o seu histórico familiar, emocional, psicológico para desconhecidos, para o mundo inteiro. Então é um alerta, não é brincadeira”.

De acordo com a psicóloga Raphaella de Martini, o melhor caminho é buscar ajuda profissional. “Em cada cidade tem as clínicas, escolas universitárias e UBSs que oferecem tratamento. Até mesmo paróquias e igrejas oferecem atendimento com psicólogo. Nada substitui o contato humano, porque o que o psicólogo trabalha com o que não é dito e o que está subliminar, o que está subentendido”.

A Dra Raphaela cita ainda o Centro de Valorização da Vida (CVV) como uma forma de acolhimento. “O CVV é um instrumento muito eficaz. Ele já existe há muitos anos fazendo esse serviço. Se você hoje digita alguma coisa que fale de um auto extermínio, o próprio Google só te manda para a página do CVV. Se você começar a pesquisar alguma coisa que possa causar um dano na sua vida, o CVV te capta ali para que possa te encaminhar. Eles estão recebendo todos os dias muito contato através do site, através das ligações”.

Centro de Valorização da Vida (CVV) tem mais de 60 anos 

O CVV foi fundado em 1962, em São Paulo, e desde então atua na prevenção do suicídio e apoio emocional prestando um serviço de extrema importância. O atendimento do CVV pode ser feito de qualquer local no Brasil pelo telefone 188 de maneira gratuita e sigilosa (disponível 24 horas por dia, todos os dias), por e-mail ou pelo chat no site www.cvv.org.br. A organização tem um posto presencial na cidade de São José dos Campos que atende a região.

Vale do Paraíba – atendimentos do CVV vem caindo e acende sinal de alerta

Na contramão do crescimento da busca pela IA para apoio emocional, o número de ligações para o CVV vem caindo. Segundo relatório da instituição, em junho de 2024 foram 3728 ligações para a unidade que atende São José dos Campos e região. Já em junho deste ano, foram apenas 2107 ligações. E se formos pensar que a região do Vale do Paraíba tem cerca de 3 milhões de habitantes, as ligações não representam nem 1% da população.  

Na opinião da Dra Vivian Salas, é importante gerar mais conexão. “Cada vez mais os jovens estão presentes nas plataformas. A sugestão é que o CVV se torne um aplicativo. Esse seria um caminho importante para ter um uso mais imediato, até mesmo em situações de ideias suicidas. Acredito que é importante se atualizar. O CVV é uma ferramenta muito boa, mas deve passar por uma melhora”. 

O Aqui Vale fez contato com o CVV para comentar essa constatação. Em resposta, a entidade disse que está em permanente atualização e modernização. Contudo, para  manter a segurança das informações, assim como o sigilo e o anonimato de quem busca o serviço, neste sentido, o WhatsApp ainda não se encaixa nesses requisitos. 

Foto: Reprodução

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