Bioma mais devastado do País, Cerrado conta com lei de proteção aprovada pela Alesp há 15 anos
Norma foi pioneira para proteção do bioma no País e estabeleceu limites mais rígidos para sua exploração
Há 15 anos, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou uma lei que protege o Cerrado paulista. Em vigor desde o dia 2 de junho de 2009, a norma foi responsável por estabelecer limites mais rígidos para a exploração e atua para preservação e recuperação do bioma.
“A lei não proíbe a supressão do Cerrado, mas estabelece limites para a obtenção da licença ambiental. Foi exemplar e pioneira nossa proposta, indicando a liderança paulista nas questões ambientais do País”, comenta Xico Graziano, secretário de Meio Ambiente do Estado à época e redator da primeira lei em âmbito estadual para a proteção do bioma.
Entre outros pontos, a Lei 13.550/2009 proíbe a exploração do Cerrado se a área pretendida abrigar espécies da flora e da fauna silvestre ameaçadas de extinção, exercer função de proteção de mananciais e recarga de aquíferos, formar corredores entre vegetação em estágio avançado de regeneração ou estiver localizada em volta de unidade de conservação de proteção integral.
O corte da vegetação nativa é permitido apenas em casos de obras de utilidade pública ou de interesse social, desde que seja compensada, ou recuperada, uma área equivalente a quatro vezes a que vier a ser ocupada. No caso da agricultura, só podem ser exploradas as áreas em estágio inicial de recuperação.
“Percebemos que a Mata Atlântica estava controlada, mas o Cerrado recebia muita pressão do agro e de loteamentos, principalmente na região de Bauru. Com isso, resolvemos ter uma lei específica para defender os remanescentes do bioma no estado. O Governo defendeu o projeto como um interesse maior, realizando a negociação política, que foi relativamente fácil, já que a causa era boa para todos e foi defendida até pelos partidos de oposição”, conta Graziano.
Floresta invertida
Talvez, quando falamos em Cerrado, você não pense em São Paulo, mas imagine grandes porções de terra nos estados do Centro-Oeste do Brasil. Isso, de certa forma, faz sentido, já que as maiores porções do Cerrado estão localizadas nos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, Bahia, Minas Gerais e Tocantins.
Ao todo, o Cerrado cobre entre 20% e 25% do território nacional, com 2 milhões de quilômetros quadrados e está presente em cerca de dez diferentes estados brasileiros. Entre eles está o Estado de São Paulo, um dos que menos possuem vegetação do bioma, o que não reduz a importância do Cerrado Paulista.
“A principal contribuição do Cerrado para a Humanidade é que ele é uma floresta invertida. O que a Mata Atlântica e os outros biomas crescem para cima, o Cerrado cresce para baixo, multiplicando suas raízes, quebrando as barreiras para alimentar os lençóis freáticos”, afirma Lourdes Nascimento, coordenadora-geral da Rede Cerrado, entidade que atua na preservação do bioma há mais de três décadas.
Por isso, o Cerrado é chamado de berço das águas brasileiras. Lá, estão nascentes de oito das doze bacias hidrográficas do País, como a bacia Amazônica, a do Paraná-Paraguai e a do São Francisco. Em São Paulo, o bioma é responsável por abastecer o aquífero Guarani, a maior reserva subterrânea de água doce da América do Sul e uma das maiores do mundo. Seu tipo de vegetação, com árvores baixas de troncos grossos e retorcidos e raízes profundas, transforma o Cerrado em uma espécie de esponja, que armazena a chuva e libera esse volume nos rios aos poucos, garantindo rios perenes.
“Se o Cerrado deixar de existir hoje, a Amazônia também deixará, porque é o Cerrado que a abastece, assim como abastece a Mata Atlântica, os Pampas e a Caatinga. Por ele ser um bioma de árvores retorcidas e baixas, as pessoas acham que não é uma mata, mas abaixo do solo é que ela mostra a sua grandeza”, explica Lourdes.
A Ong WWF estima que cerca de 90% da população brasileira consome energia elétrica produzida a partir das águas que nascem no Cerrado. No âmbito da biodiversidade, o Cerrado possui grande importância para a fauna e flora do País, já que abriga mais de 11 mil espécies nativas e cerca de 4,4 mil endêmicas.
Povos originários
Para além do patrimônio biológico e ambiental, outra questão importante que envolve a proteção do Cerrado é resguardar o direito dos povos originários que permanecem no bioma e de viverem da forma que sempre viveram, com segurança e qualidade. “A gente fica falando das plantas, da preservação das matas, mas não podemos esquecer das pessoas que vivem nesse bioma e protegem essa vegetação. É uma via de mão dupla, porque eles protegem e são protegidos pelo bioma também”, defende Lourdes.
A Rede Cerrado levanta essa bandeira e busca atuar ao lado dessas comunidades para a preservação do bioma. Em seu site, a Ong traz os principais grupos originários que vivem no Cerrado, como os indígenas, representados por cerca de 80 etnias diferentes, os quilombolas, os ribeirinhos, as quebradeiras de coco, os apanhadores de flores, os vazanteiros, os geraizeiros, entre outros.
“O pouco que a gente ainda tem de pé, é graças a esses povos. Essa é a nossa luta também, para que esses povos tenham o direito a seu território, que eles possam viver com sua cultura, com seu jeito de viver, seus cantos e suas rezas. É um direito dessa gente viver em paz e feliz, porque lá eles cultivam sua forma de vida”, complementa a coordenadora da Rede.
Devastação
O Cerrado em São Paulo já chegou a ocupar 3,7 milhões de hectares no estado, o que correspondia a cerca de 14% do território paulista. Na época da aprovação da Lei, após muita devastação, o bioma ocupava apenas 211 mil hectares, 0,84% do estado.
“Antes, o Cerrado para São Paulo não era um bioma. Era um lugar que qualquer um poderia chegar, se instalar e tirar aquelas árvores retorcidas dali. As pessoas não achavam que aquelas árvores pequenas tinham valor; devastavam sem nem prestar atenção. A partir do momento em que se começou a fazer o debate sobre a importância do Cerrado, e de que todos faziam parte desse bioma, começou a se trabalhar a lei”, explica Lourdes, que disse ter ficado surpresa ao ver que São Paulo tinha saído na frente para criar uma legislação específica em defesa do bioma.
“A gente achava que, em São Paulo, não se dava atenção para o Cerrado. Então, o estado está de parabéns pela lei, por conseguir estar controlando o desmatamento, por enxergar a biodiversidade e o ecossistema”, finaliza Lourdes, que mora no município de Porteirinha, no Norte de Minas Gerais, em uma região de transição entre Cerrado e Caatinga.
Futuro que preocupa
Notícias recentes apontam que o Cerrado ultrapassou a Amazônia e se transformou no bioma mais devastado do Brasil. Segundo dados levantados pela rede MapBiomas, o desmatamento no Cerrado cresceu 67,7% e alcançou 1,1 milhão de hectares em 2023.
O foco do problema está no Matopiba, região entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que é apontada como a nova fronteira agrícola do País e que sofre com o avanço do desmatamento. “O que falta nessa região é vontade política. Precisaria, além de uma lei como a de São Paulo, que ela se cumpra, porque se não for aplicada não adianta muita coisa”, argumenta Lourdes Nascimento.
Para ela, é necessário que se faça uma grande campanha de conscientização para as pessoas entenderem a necessidade de cuidar do meio ambiente. Tragédias como a do Rio Grande do Sul, pontua Lourdes, devem servir de exemplo para compreendermos o papel da natureza no combate a “catástrofes anunciadas”.
“Ninguém come o dinheiro. Se não preservar o nosso meio ambiente, nós não vamos ter nada para sobreviver”, destaca a coordenadora-geral da Rede Cerrado. “Se o campo e a cidade se unirem, a ganância não vai resistir. A cidade precisa da produção do campo e o campo precisa da cidade, porque o campo não produz só para ele. Os impactos provocados no campo causam danos na cidade, principalmente para os mais pobres, que moram na periferia, em lugares que acontecem deslizamentos”, completa ela.
João Pedro Barreto – Fotos: Divulgação Governo SP e Arquivo Rede Cerrado
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